A política ‘empretecerá’ com a nossa presença”. A afirmação foi feita pela vereadora Edna Sampaio (PT), durante a sessão solene realizada na tarde desta terça-feira (16) em homenagem ao Mês da Consciência Negra, por iniciativa da parlamentar e do presidente da Casa, vereador Juca do Guaraná Filho (MDB), abrindo oficialmente a programação da Agenda Kwanzaa – Semana da Consciência Negra.
Durante a sessão, foram entregues moções a 118 lideranças negras da antiga e da nova geração no Estado.
A Agenda Kwanzaa é realizada pelo movimento negro e pelo mandato da parlamentar, e segue até 29 de novembro, com mesas redondas, feira de artesanato, gastronomia, feira de religiões de matriz africana e apresentações culturais realizadas em diversos pontos da cidade pelos coletivos.
Edna Sampaio destacou a importância de combater o impacto do racismo sobre a vida dos negros contemporâneos, que trazem as marcas históricas da discriminação.
“Para muitos de nós, que já não estamos próximos da geração que viveu o horror da escravidão, é difícil imaginar o que foi a história de nossos antepassados, mas sabemos o que é a nossa história e o quanto o racismo mexe com a gente, determina a forma como nos colocamos e se vemos no mundo”, disse ela.
“O racismo tem matado, interditado tantos, impedido tantos de ocuparem espaços como este, tem sido responsável por uma sociedade absolutamente desigual”, disse ela.
“Neste mês da Consciência Negra, não quero falar das estatísticas que vitimam nosso povo, mas da nossa resistência, da nossa beleza, dignidade e dizer o quanto sou grata a cada um por existir e fazer de cada trajetória individual uma referência de força, de luta e de potência”, comentou ela.
A vereadora apontou a contradição de ser a primeira negra a ocupar o espaço da Câmara, assim como o presidente da Casa, vereador Juca do Guaraná Filho, em um estado onde a população negra compõe mais de 60% dos habitantes.
“Ao ocupar esta Casa com nossos corpos, neste momento de tanto júbilo, queremos dizer a toda a sociedade cuiabana que não nos silenciaremos mais, não aceitaremos mais postos subalternos, não aceitaremos mais uma sociedade dividida”, disse ela. “Nenhum de nós aceitará que o nosso povo seja o povo que cata lixo na rua para se alimentar dele uma sociedade que assiste a isso impunemente é uma sociedade doente”.
Juca do Guaraná destacou a importância do mandato da vereadora e o quanto ela tem colaborado para seu mandato e para a Câmara.
“Em mais de 300 anos, somente agora temos uma mulher negra neste parlamento e um homem negro presidindo este parlamento. Embora sejamos uma cidade de mais de 60% de pardos e negros, nossa representatividade está muito aquém, mas vamos continuar lutando para que possamos ter mais negros no sistema que representa o poder”, disse ele.
Homenageados Todos os homenageados foram indicados por coletivos do movimento negro e por instituições do segmento. Além da moção, eles receberam obras de arte doadas pelo artista plástico Pádua.
Um dos agraciados, o jornalista Márcio Camilo, que estuda sobre relações raciais, destacou as reflexões que enfrentou ao aprofundar seus estudos, o que tem sido um processo doloroso, e enfatizou a importância de colocar o tema em pauta.
“Que a gente entenda: o mês da consciência negra tem que ser o ano todo, o racismo é estrutural e está permeando o tempo todo nossas relações e instituições. É chato e difícil se entender como um potencial racista, saber que se está reproduzindo o racismo de forma involuntária, mas temos que fazer este exercício, pois é uma estrutura secular, que vem causando uma grande desigualdade na sociedade e a gente precisa expor essa cicatriz”. “O MNU, que hoje está representando seu povo de quilombo e não quilombola, tem mais de 40 anos de luta em todo o país. Quando a vereadora Edna nos chamou para estarmos juntos, eu disse sim, porque queremos esta base forte de mulheres negras dentro da Câmara e em todos os espaços”, disse Isabel Farias, representante do Movimento Negro Unificado (MNU), outra homenageada pelo coletivo, que, em Mato Grosso, está presente em 17 municípios e 21 quilombos. A iniciativa também foi aprovada pelo Babalorixá Paulo de Oxumaré, outro homenageado. “Este momento é mais do que importante, é um marco histórico do respeito entre as pessoas que estão no poder. Abraçar esta causa foi fácil, pois são coisas do nosso cotidiano. Nós não tínhamos a oportunidade de o fazer”, disse. A programação do evento inclui a Feira de Religiões de Matriz Africana, que acontecerá no dia 18 (quinta-feira), a partir das 8 horas, na praça Alencastro.
Uma das manifestações emocionadas foi a da liderança do Movimento de Pessoas em Situação de Rua, Quesia Valmis de Souza.
“Estou representando as mulheres negras moradoras de rua, que são invisíveis. Estamos na luta pelos direitos de todas as mulheres negras que estão nesta situação, pelas calçadas, pelas ruas. Estou me sentindo muito grata e emocionada”, disse ela.
Outra homenageada, a ativista LGBT Lupita Amorim, também membro do Coletivo Negro Universitário da UFMT, destacou a situação de vulnerabilidade das pessoas trans negras, que lutam contra a violência e a LGBTFobia.
“Sabemos que as dificuldades são inúmeras, entretanto, a partir do enfrentamento coletivo, vamos conseguir, assim como temos conseguido estar na universidade, celebrando nossas conquistas e vivências, não a partir do que sofremos, mas daquilo que somos: juventude negra, potente e que estamos representando muito bem nossa comunidade”, disse ela. “A história de preconceito e de dívida social para com os povos negros do país se mantém até hoje, inclusive, no preconceito e na negação de muitos, que, a todo momento, querem dizer que não há preconceito, que a fala e a luta contra o preconceito é ‘mimimi’ e nós, que rebatemos todos os dias, que lutamos contra o preconceito racial neste país, temos sempre que enfrentar isso”, disse o deputado estadual Valdir Barranco.
Prêmio No evento, também foi lançado o prêmio Bernadina Rich, uma homenagem da vereadora Edna Sampaio à educadora cuiabana negra, que, em 1888, com apenas 16 anos, já possuía o título de normalista, e se destacou como educadora, e também foi lançada a exposição “Corpos Negros na Cidade”, que retrata personagens negras anônimas que constroem a história da cidade, a qual estará em cartaz, em pontos de alta circulação da capital, a partir de 21 de novembro. Participam da agenda, entre outros, o MNU, o CNU, e a Associação das Famílias Negras e Periféricas, além de entidades representativas, como o Conselho Regional de Psicologia e o Conselho de Promoção da Igualdade Racial de Cuiabá.
A agenda conta com o apoio das secretarias municipais de Cultura, Comunicação, Adjunta de Direitos Humanos, e da Mulher, e do Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde de Mato Grosso (SISMA-MT).